Psicanálise

Quem procura ajuda psicológica costuma se deparar com uma série de termos que, em geral, são pouco conhecidos para quem não trabalha na área, ou cujos significados são desconhecidos ou confusos. Para tentar esclarecer um pouco as coisas, inicio com esse pequeno texto uma série de artigos que trarão informações sobre esses assuntos de forma simples e direta, sem abrir mão de informar corretamente. Como meu trabalho é embasado pela teoria da psicanálise, é natural que os temas que serão abordados sejam tratados a partir desse ponto de vista. Por isso, nada melhor que começar por aí.

O que é psicanálise

A psicanálise é um conjunto de teorias e uma prática clínica que se sustentam, um ao outro, de forma indissociável. O conjunto de teorias trata de nós, seres humanos, e de como nossos comportamentos, nossas emoções e nosso olhar sobre nós mesmos e sobre os outros são influenciados por aspectos nossos que desconhecemos — em outras palavras, aspectos inconscientes — , e que muitas vezes podem trazer sofrimento e dificuldades.

Esse conjunto de teorias foi desenvolvido e é constantemente reavaliado a partir da prática clínica dos psicanalistas — pessoas que fizeram uma formação teórica em psicanálise, tiveram sua prática clínica supervisionada por profissionais geralmente mais experientes, e também realizam (ou já realizaram) sua análise pessoal com outro psicanalista (ou, as vezes, mais de um) e se consideram aptas a exercer a função de psicanalista.

O tratamento psicanalítico costuma ser realizado em sessões periódicas e sucessivas agendadas com o analisante (nome utilizado para se referir à pessoa que busca um analista para realizar sua análise pessoal — é comum, também, o uso dos termos analisando, paciente ou cliente, e nenhuma dessas formas é incorreta), em que este busca falar, de forma espontânea e livre, tudo aquilo que lhe ocorre durante a sessão para que, quando for conveniente, o analista faça marcações, apontamentos, interpretações ou outras formas de intervenção. Essas intervenções — que objetivam ajudar o analisante a se conhecer melhor e entender quais são os seus aspectos inconscientes que tem influenciado seu estilo de vida (e muitas vezes, no caso de quem procura ajuda, tem trazido sofrimento) — , são sempre orientadas pelos conhecimentos teóricos do analista, que deve sempre repensar sua prática a partir de seus estudos.

No entanto, o analista também deve utilizar suas experiências clínicas para, constantemente, repensar o conjunto teórico psicanalítico. Pode-se dizer, portanto, que o psicanalista é, sempre, tanto um praticante de psicanálise quanto um pesquisador ou teórico de psicanálise.

Um pouco da história da psicanálise

Fotografia do divã usado por S. Freud ao atender seus pacientes
Divã usado por S. Freud ao atender seus pacientes

A psicanálise é considerada a primeira forma de psicoterapia inventada, e não há uma data precisa para seu surgimento. O primeiro psicanalista que houve foi Sigmund Freud (1856–1939), um médico que atuava na cidade de Viena, no antigo império Austro-Húngaro (atual Áustria). Freud, considerado o pai da psicanálise, se interessou, a partir da década de 1880, por pacientes que sofriam de “doenças nervosas”, nome comumente dado a condições de saúde que não se explicavam por nenhuma outra maneira, exceto por problemas psíquicos.

No início, Freud se associou a outro médico chamado Josef Breuer, com quem publicou, em 1895, o livro Estudos Sobre a Histeria, onde teorizaram a respeito das causas da histeria (que era o nome dado à doença dos nervos mais comum à época, também chamada de neurose histérica), e também divulgaram uma nova abordagem de tratamento que vinham implementando com alguns pacientes. No entanto, logo Freud passou a se dedicar sozinho a esses estudos e, em 1900, publicou o livro que ele próprio veio a considerar sua obra-prima e seu trabalho mais importante: A Interpretação dos Sonhos. Nessa obra, Freud expõe seus achados a respeito do inconsciente e seu funcionamento por meio do trabalho dos sonhos — o que aproxima a psicanálise de todas as pessoas, não se limitando aos doentes dos nervos, já que todos sonham.

Freud continuou publicando sobre seu trabalho e, aos poucos, a psicanálise foi ganhando adeptos, e outros profissionais passaram a também praticar e estudar psicanálise. Evidentemente, como toda novidade, a psicanálise também recebeu muitas críticas, desde o início de sua divulgação, mas a despeito disso, devido aos resultados que apresentava, sua influência na forma de pensar a saúde mental, o funcionamento psíquico de todas as pessoas, e diversas outras áreas do conhecimento humano, só aumentou. Os conhecimentos psicanalíticos e sua prática, que sempre andam associados, foram se espalhando pelo mundo e diversas sociedades psicanalíticas foram surgindo. Depois de Freud, muitos outros psicanalistas importantes contribuíram de forma decisiva para os rumos da psicanálise no mundo, como Melanie Klein (1882–1960), Wilfred Bion (1897–1979) e Jacques Lacan (1901–1981).

A psicanálise na atualidade

Hoje em dia há psicanalistas no mundo todo, trabalhando em consultórios tradicionais, em instituições públicas e privadas de saúde, em universidades, em espaços públicos, em locais onde há populações fragilizadas por catástrofes ambientais ou em decorrência de questões sociais… Enfim, em uma gama de locais e possibilidades muito maior do que Freud jamais poderia ter imaginado. Embora tenha surgido como uma forma de se tratar doenças (as neuroses), logo ficou claro que mesmo aqueles que não padecem de uma psicopatologia teriam benefícios para suas vidas ao entrar em análise.

Hoje, a psicanálise é praticada por profissionais com formações diversas (embora a maioria seja psicólogo ou psiquiatra, há psicanalistas que são filósofos, enfermeiros, fonoaudiólogos, etc.) para benefício de qualquer pessoa que os procurem, esteja a pessoa doente ou não. Pessoas em sofrimento, em depressão, com sintomas ansiosos, com dificuldades amorosas, passando por lutos muito difíceis, pessoas que estejam mudando de vida, começando um emprego novo e desafiador, ou prestes a se aposentar… Enfim, qualquer pessoa que se sinta precisando falar, tirar de si algo que pesa por dentro, pode procurar apoio na psicanálise.

Apesar das críticas nunca terem cessado, como acontece com qualquer campo do conhecimento que se coloque à prova da realidade, a psicanálise está sempre disposta a assumir aquilo que não sabe, e a repensar aquilo que a prática coloca em xeque, e por isso mesmo, além dos benefícios que vem trazendo ao longo de mais de cem anos a todos que se submetem ao trabalho psicanalítico, segue firme como uma das principais correntes de pensamento e de prática clínica e de saúde. Sua influência na cultura é inegável, e diversos dos termos psicanalíticos cunhados ou ressignificados por Freud e por seus seguidores acabaram se popularizando, como “inconsciente”, “recalque”, “complexo de Édipo”, “ato falho” e “fantasia”. A expressão “só Freud explica” é outra evidência da importância da psicanálise na cultura ocidental.

Esse pequeno resumo sobre a psicanálise mostra que, apesar de muitas vezes seus críticos afirmarem o contrário, a psicanálise segue mais viva que nunca!