Sigmund Freud é o nome do descobridor do inconsciente e fundador da psicanálise. Ele nasceu em 06 de maio de 1856, na Morávia, região da Europa que na época pertencia ao Império Austríaco, e que atualmente faz parte da República Tcheca. Hoje, 06 de maio de 2019, comemoramos portanto 163 anos de seu nascimento. Mas, por que comemorar? Ora, comemora-se aquilo que trouxe algo de positivo para o mundo ou para a vida das pessoas. E sim, sem dúvida, há motivos para comemorar quando nos atentamos à vasta obra que Freud produziu em vida, cuja origem remonta à última década do século 19 e cujo fim só de dá com sua morte em 1939. Essa obra, literária e teórica, permaneceu viva muito após o falecimento de seu criador, e segue deixando uma marca no mundo como faz desde seu surgimento. Freud foi muito relevante no início século 20, e continua relevante hoje, às vésperas da terceira década do século 21.
A relevância da psicanálise atesta-se por sua história. Ela surgiu como resultado do trabalho de Freud como médico na cidade de Viena, onde morou por quase toda sua vida. Freud era neurologista por formação e se interessou no início da carreira pelas doenças chamadas “nervosas”, cujos sintomas eram bastante evidentes mas as causas e os processos de cura ainda eram bastante misteriosos. O exemplo mais clássico dessas doenças é a histeria, afecção em que a pessoa era acometida em seu corpo por sintomas diversos como paralisias, tremores, desmaios ou dores, por exemplo, sem que houvesse uma razão clara para o surgimento desses sintomas, como uma infecção, um traumatismo, uma falência de órgão ou algo do gênero. Outro exemplo eram as neuroses obsessivas, cujos afetados por ela tinham sintomas parecidos com o que hoje se convencionou chamar de Transtorno Obsessivo Compulsivo: a incidência de medos e pensamentos ruins cuja evitação se busca por meio de ações e comportamentos que muitas vezes trazem muito sofrimento, e cujas relações com esses pensamentos não estão sempre claras.
Em suas investigações, Freud deparou-se com o inusitado fato de que esses sintomas tinham uma causa bastante lógica e complexa, relacionadas às vivências passadas das pessoas de formas bastantes surpreendentes, especialmente porque de forma geral, os pacientes não eram capazes de num primeiro momento perceber essa relação, e muitas vezes agiam de forma a dificultar que ela fosse elucidada. Além disso, Freud percebeu que esses sintomas carregavam em si algo como uma mensagem, ou pelo menos uma pista, dessas relações, sugerindo também por que caminhos um tratamento possível para isso poderia seguir. O que causava mais estranhamento nisso era o fato do paciente aparentar desconhecer tudo aquilo, apesar de estar intrinsecamente ligado àquilo.
A esses processos que aconteciam à revelia do que o paciente suspeitava e de cuja existência só se sabiam os efeitos, ele chamou Inconsciente. Os sintomas, a partir desse referencial, passam a ser visto não como uma fatalidade que acometeu a pessoa e com a qual ela pode tentar conviver, mas como um produto de um processo psíquico que, caso trabalhado ou elaborado, pode resultar em outros produtos, possivelmente menos agressivos ou sofridos para a pessoa. A relação da pessoa com aquilo que a faz sofrer muda de lugar, e em vez de objeto de um acometimento qualquer a respeito do qual ele se queixa, e passa a ter a possibilidade de ser sujeito de uma potencial transformação na forma como vive e lida como mundo.
Essa descoberta, que aqui descrevo de forma breve e simplista, causou um impacto grande no mundo, porque propôs uma concepção de homem muito diferente da vigente à época, embora fosse condizente com algumas tendências que se anunciavam. O “homem moderno” europeu do final do século 19 era fruto de cerca de um século de iluminismo influenciando os pensamentos, e que experimentava fortemente às transformações sociais trazidas pela revolução industrial e pelo surgimento das ciências modernas. Esse homem aspirava ser visto como alguém de grande evolução intelectual, com a capacidade de mudar o mundo e de obter conhecimento científico preciso, absoluto e imparcial sobre a natureza.
Freud, no entanto, apresentou um outro lado, um lado obscuro da experiência humana, a respeito do qual o próprio homem não sabe nada, exceto pelos seus efeitos. Sua descoberta, além de se inserir como uma forma de tratamento que visava à boa saúde e ao bem-estar de seus pacientes, apresenta-se mesmo como uma ruptura da visão de mundo, e que se associa por exemplo, ao pensamento darwiniano que havia proposto anos antes a teoria da evolução das espécies — cujo efeito para a humanidade foi de tirá-la do pedestal divino de ser perfeito.
Se essa ruptura foi relevante à época—e uma busca simples pelos trabalhos dos principais pensadores do século 20 mostra que sim, a psicanálise influenciou o pensamento da humanidade de forma definitiva — , ela continua extremamente atual passados 163 anos do nascimento de seu teórico fundante. As ciências obtiveram avanços incríveis nos anos de 1900, e chegamos ao século 21 com uma sociedade bastante diferente daquela em que Freud viveu. No entanto, o sofrimento humano continua desconcertante. O saber objetivo criado pelas ciências, que tem relevância e importância indiscutível, continuam falhando em dar alento a diversas formas de dor pelas quais os seres humanos têm que passar na vida.
A psicanálise se apresenta no mundo contemporâneo como uma alternativa ao absolutismo do saber objetivo, como uma possibilidade de se atentar para os efeitos que um saber, um conhecimento, provocam naquele que sabe, que conhece. Se as ciências neurológicas, por exemplo, tentam mostrar quais desequilíbrios de neurotransmissores desencadeiam um estado de depressão ou de ansiedade, a psicanálise supõe um sujeito desse desequilíbrio, e dá a oportunidade a esse sujeito de falar disso. Freud, que se considerava um cientista e colocava a psicanálise no âmbito das ciências, jamais teve a intenção, portanto, de desacreditar ou diminuir a ciência. Mas seu trabalho foi capaz de mostrar que o homem científico, por sua própria estrutura e seus próprios métodos, deixa algo de fora, e é por esse algo deixado de fora que a psicanálise se interessa. Nesse sentido, pode-se dizer que a psicanálise só é possível por causa da ciência, embora seja bastante controverso afirmar que ela própria está dentro do campo científico.
Conforme o tempo passou, os sintomas mudaram, mas os efeitos daquilo que é inconsciente no homem continuam presentes. Se Freud pôde, por meio do método e do corpo teórico que produziu, questionar os efeitos da repressão da sexualidade na sociedade vitoriana, por exemplo, o psicanalista moderno de debate com os efeitos das mudanças experimentadas na sociedade desde então, com as mudanças na formação das famílias, as sempre novas formas de explorar a sexualidade, as mais variadas formas de expressar identidade de gênero, a disseminação massiva de informações, os processos evoluídos de telecomunicações e conexões entre as pessoas… A sua importância continua sendo a de explorar aquilo que, na produção de saber, é um subproduto relegado, esquecido ou deixado de lado. Por isso que, embora o mundo seja muito diferente, e embora a psicanálise tenha sido retrabalhada e reelaborada por diversos autores ao longo desses mais de 100 anos, essa obra prima da vida de Sigmund Freud permanece viva e relevante nos tempos atuais. E devemos comemorá-la, assim como devemos comemorar a vida daquele que deu origem a tudo isso.
Portanto, parabéns aos 163 anos de Freud, pai da psicanálise!
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