Inteligência emocional

Eu fico embasbacado com algumas expressões e jargões que tomam a boca do povo por aí. Fiquei pensando nisso esses dias. “Inteligência emocional” é uma dessas expressões.

Inteligência emocional.

É preciso parar e pensar um pouco nisso. Que raios vem a ser inteligência emocional? Eu tenho que admitir que 5 anos de formação em psicologia na USP não me habilitaram a responder a essa pergunta. Fui então perguntar ao pai dos burros: o ChatGPT (dicionário não ia me ajudar nessa).

“Inteligência emocional” (IE, de agora em diante) é um termo criado na década de 90 do século 20. Aparentemente mais de um autor usou a expressão em seus trabalhos, e o colega inteligente artificialmente não foi preciso em dizer que foi o primeiro. Mas um cara, psicólogo, parece ter sido quem realmente tornou a expressão popular.

Psicólogo, claro.

Bom, ele tem um livro que se tornou famoso (eu não li esse livro, credo, então se eu falar borracha daqui pra frente, a culpa é do colega Chat) em que argumenta que a tal da IE é fundamental pra se ter sucesso, tanto no trabalho quanto na vida pessoal.

“Sucesso”,
eu repito, marcando o vocabulário questionável.

Ele diz que há 4 dimensões da IE, a saber: 1. Autoconsciência; 2. Autogestão; 3. Consciência social; 4. Gestão de relacionamentos. O item 1 é sobre reconhecer e entender suas próprias emoções. O item 2 é sobre saber gerenciá-las, especialmente em situações de estresse e pressão. O item 3 é sobre reconhecer e entender as emoções do outro. O item 4, sobre construir relações saudáveis a partir de uma comunicação efetiva que permita lidar bem com conflitos.

Veja que podemos ler isso da seguinte maneira: para ter sucesso, é preciso saber reconhecer e manter sob controle as próprias emoções (em especial as que podem gerar conflitos), e é preciso manejar as relações com os outros, a partir do entendimento de que também os outros têm emoções, para desenvolver relacionamentos livres de conflitos, que seriam o modelo ideal de bom relacionamento.

Bom, abstraindo toda essa articulação teórica que se faz, é de conhecimento geral que essa expressão está bem difundida, especialmente no meio corporativo. É fácil perceber que, a partir dela, Muita coisa estranha pode acontecer.

Uma mulher em um relacionamento abusivo pode ser questionada, ao denunciar seu abusador, sobre se está se comunicando efetivamente para colocar seus limites, se tornando responsável pelo abuso que sofre.

Um trabalhador oprimido é responsabilizado por seus rompantes ou sua falta de motivação no ambiente de trabalho, por supostamente não ter conhecimento profundo nem capacidade de gerir suas próprias emoções.

Uma pessoa racializada, um preto ou um indígena por exemplo, é criticada pela resposta agressiva que dá às violências que sofre no seu dia-a-dia, já que nessa perspectiva não tem inteligência emocional suficiente para evitar conflitos.

Está bom de exemplos. A ideia de que podemos ou devemos aprender a “controlar” nossas emoções, e que conflitos e relacionamentos sociais ruins têm relação com a falta desse coloca muita ênfase na responsabilização do indivíduo, e desencoraja possíveis críticas às condições em que se estabelecem essas relações, ou em que surgem esses conflitos. Estejamos muito atentos ao manejar conceitos, mesmo os que se produzem a partir de lugares de saber científico, como a psicologia.

Não há ciência, especialmente ciência humana, sem visão e ideal de mundo por trás, e é preciso sempre questionar de que lugar parte um conceito e aonde ele pretende chegar.