Mudanças fazem parte da vida. Com frequência elas acontecem à nossa revelia, vêm como surpresas, nos pegam despreparadas, e impõem diferenças no nosso jeito de viver, nos nossos costumes, nas pessoas que estamos acostumadas a ver no dia-a-dia etc. São exemplos desse tipo de mudanças o falecimento de uma pessoa de nosso entorno; a demissão inesperada de um emprego; um acidente qualquer; ganhar um prêmio em um concurso ou loteria; a mudança para o apartamento do lado de um vizinho mais chato ou mais legal que o anterior; uma revelação inesperada qualquer de um familiar. Por aí vai. Há pessoas que lidam razoavelmente bem com esse tipo de mudança porque tendem a ser flexíveis e aproveitar de maneira satisfatória o inesperado da vida. Outras pessoas já têm mais dificuldades, e sofrem mais com a sensação de falta de controle e a impotência que essas situações podem provocar, independentemente de se tratar de uma mudança que parece boa ou ruim.
Mas mudanças também acontecem com intenção, seja porque se imagina que algo pode melhorar, ou porque é preciso deixar algo para trás. Falo aqui de coisas mundanas, cotidianas. Parar de fumar; encerrar um relacionamento; mudar a cor de uma parede do quarto; largar um emprego; passar a tratar alguém de uma maneira diferente; mudar-se de casa; adotar um pet; cortar curto um cabelo que está longo há muito tempo; deixar o sedentarismo; adotar um novo visual de roupas; se cobrar menos; aprender a tocar um instrumento. Como no primeiro caso, promover mudanças propositalmente também pode ser um desafio para alguns, enquanto outros fazem isso com certa facilidade. Varia, novamente, de acordo com características pessoais de cada um, e também com o tipo de mudança que se propõe fazer.
É certo, no entanto, que todas as pessoas podem se deparar, em algum momento, com coisas que elas gostariam de mudar mas não conseguem. Você sabe do que eu estou falando. Conforme a vida vai seguindo seu curso mais ou menos natural, se estamos atentas, vamos notando certas repetições nas nossas vidas que, às vezes, temos interesse em evitar. Vemos que a vida repete alguns ciclos, alguns “destinos” de maneira tão intensa, que é fácil apelar para a superstição ou para a espiritualidade para explicar essas repetições. Exemplos. Nos percebemos vivendo os mesmos problemas nas relações amorosas que estabelecemos, independente de com quem seja a parceria; ou notamos que as parcerias são sempre com pessoas com determinadas características, improváveis e mesmo pouco desejosas. Nos flagramos cometendo os mesmos erros de antes ao lidar com alguma dificuldade cotidiana. Verificamos que, frente a algumas coisas, paralisamos, mesmo que isso não seja desejável. E mesmo vendo tudo isso acontecer, promover uma mudança nesses casos parece impossível: quando vemos, lá estamos nós, novamente, fazendo as coisas da mesma maneira.
Há, dentro do universo enorme da psicologia, muitas maneiras de abordar esse fenômeno. A psicanálise me parece muito interessante aqui. Eu entendo, como psicanalista, que nosso agir no mundo se relaciona com nossos quereres e implica em decisões racionais, lógicas, calculadas e planejadas, mas também tem traços elementares e radicais de algo em nós que desconhecemos. A isso, damos o nome de inconsciente. Ou seja, nosso agir no mundo, para além da racionalidade e do poder de cálculo e planejamento que possuímos, é influenciado (e, afirmo, com uma intensidade surpreendente) por processos que ocorrem em nosso psiquismo a respeito dos quais temos pouco ou nenhum conhecimento.
Ora, é de se esperar então que essas repetições, mesmo que sofridas e pouco proveitosas, têm relação com processos inconscientes. Há algo no inconsciente que se liga a esse “padrão” repetitivo e que nos impele à repetição. Promover uma mudança seria, nesse caso, uma perda. Mesmo um hábito ruim, um padrão de relacionamentos questionáveis ou a tendência a escolhas “erradas” repetidas vezes podem, no nível do inconsciente, representar algo de prazeroso ou, no mínimo, satisfatório. Seja a ideia (ilusória) de controle da situação, a sensação de familiaridade, o retorno a uma posição conhecida, a realização de uma fantasia identitária sobre si mesmo — as possibilidades são muitas e, em cada caso, é preciso muito trabalho para compreendê-las. Mas mudanças implicam na ideia de perda e nem sempre é fácil agir para perder algo que se supõe ter.
Já indico, ao dizer que “se supõe ter”, que o caminho que se explora em uma análise para que se possa superar isso passa, entre muitas outras coisas, pelo questionamento disso a que o sujeito se prende de forma tão intensa, mesmo com muito sofrimento. Mudar é, então, saber-se capaz de perder o que nunca se teve. Parece simples. Mas só parece.
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