Como uma criança que está prestes a fazer uma travessura, olho em volta verificando se nada me impedirá. Parto, então, em direção ao desconhecido. O destino não está claro. Talvez não haja um destino. Mas não importa, a única certeza é a transgressão, e o que realmente importa é o caminho.
Caminho, então, sem saber para onde. Atravesso escuridões, encontro luzes que cegam, enfrento solidões, me perco em multidões. Às vezes caio na besteira de achar que sei onde devo chegar, e tento me transportar para lá. Outras, me lembro do prazer que há no próprio caminhar, e, perdida, me deixo levar.
Levo comigo tudo: o que me faz avançar e o que me trava. Clarice nos avisou—nunca sabemos o que nos sustenta. Mas a bagagem é pesada, me atrasa, me cansa. Em algum ponto da travessia é preciso abandonar o que não serve mais, o que caducou, o que rasgou, o que furou, o que queimou. O peso diminui, o ritmo aumenta, o avanço se faz sentir. Mas, será avanço ou retrocesso, se não sei para onde ir?
Continuo perdida. Todavia, sigo no caminho. Caminho se faz ao caminhar. Me associo livremente a essa direção, àquela, àquela outra, como uma aranha tecendo uma teia. Direções que se cruzam. De vez em quando, penso em desistir. Transito entre o desejo de continuar e o medo de nunca mais me encontrar. O traslado às vezes parece sombrio, tenebroso. Às vezes, parece calmo como um jardim no outono. Mas é constantemente solitário.
Há, é preciso reconhecer, sempre alguém por ali. É preciso que haja, não se faz isso sozinho. Não importa, quase nunca me sinto acompanhada. No fundo, há um nível de solidão que é insuperável. Transponho o momento de crise, deixo o choro para trás, e sigo meu caminho.
Caminhando, tranço novos saberes, novos dizeres, novas identidades. Mas não me apego a elas. Assim como elas vêm, deixo que vão. Palavras ganham novos sentidos, velhos sentidos ganham novas palavras. Aos poucos, o que era conhecido vai se tornando estranho. E o que era estranho vai se transmutando em parte de mim. O tempo transpassa meu corpo mudado, e às vezes em um corte abrupto, às vezes de forma gentil, ele me lembra que nunca passa. Mas também nunca para.
A próxima parada se aproxima. Ficarei por ali, finalmente? Ou seguirei, sempre em frente? Não sei. Avisei no início, o destino era incerto, talvez inexistente. Alguns dizem que há um final: eles que passem.
Eu? Aposto na eternidade do caminhar.
Deixe um comentário