Escritos e publicações

  • Não-saber

    Para os leigos, os civis, os ordinários, os comuns, aqueles que não foram iniciados nas belezas e nos mistérios do mundo psi, encontrar um psicanalista quase sempre acontece de forma desavisada. O sujeito vai atrás de um psicólogo, ou de um “terapeuta”, procura, escolhe, investiga, e acaba nas mãos de um psicanalista. Não é um grande problema; nem sempre o que a gente tá procurando é o que a gente precisa. Mas, desavisada que está, a pessoa que de repente se vê de frente a um psicanalista sem ter se preparado para isso, muitas vezes leva um susto.

    A treta é a seguinte: o mundo hoje funciona de um jeito que é muito diferente de uma análise. No mundo de hoje, tem jeito certo pra quase tudo. Tem sempre um especialista na TV ou nos reels dizendo “coma isso, não coma aquilo”, “faça esse exercício”, “leia aquele livro”, “transe desse jeito”, “se relacione assim ou assado”. E tem sempre alguém pra dizer pra pessoa que ela tá errada, mesmo quando ela faz tudo como mandam os especialistas.

    O analista não é um especialista (aliás, aviso: encontrou um analista que se diz especialista, desconfie). Um psicólogo pode ser, um analista não. O lugar do analista é o lugar do não-saber: é o lugar da interrogação. Não espere de um psicanalista que ele te oriente como fazer alguma coisa, ou te dê instruções, dicas, conselhos, a respeito de seus problemas. Não vai rolar, porque não pode rolar. Já tá cheio de gente disposta a fazer isso por aí. O analista quer de você outra coisa — ele quer que você se questione sobre o que fica fora do discurso pronto, arrumadinho. Sabe aquela coisa de chegar na frente do analista e começar a contar toda aquela história ensaiadinha? O analista, o bom analista, tem o dever de quebrar essa historinha, e apontar pra onde está o furo dela.

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  • Fala!

    Tu tens grandes projetos, planos, ambições. Mas estás sempre meio ficando para trás, meio deixado de lado, meio te sentindo irrelevante. Tu sabes que tem boas ideias, e sentes que tem algo a dizer de interessante, mas tua boca tá sempre fechada, e teus pensamentos estão sempre guardados. “Um dia”, “logo logo”. E o dia não chega. E a boca não abre.

    E o sentimento sempre te acompanha: “minha hora ainda vai chegar”. Mas os minutos vão passando, as horas se sucedem, os dias viram noites. Tu te empolgas com alguma novidade, com um trabalho novo, com a agitação de qualquer começo. E logo, descobres, era fogo de palha. O tesão sumiu, e ficou só mais uma coisa começada. E a sensação de que tu podias ter feito mais.

    Podias? Por que não fizeste?

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  • O aniversário de Sigmund Freud

    Sigmund Freud é o nome do descobridor do inconsciente e fundador da psicanálise. Ele nasceu em 06 de maio de 1856, na Morávia, região da Europa que na época pertencia ao Império Austríaco, e que atualmente faz parte da República Tcheca. Hoje, 06 de maio de 2019, comemoramos portanto 163 anos de seu nascimento. Mas, por que comemorar? Ora, comemora-se aquilo que trouxe algo de positivo para o mundo ou para a vida das pessoas. E sim, sem dúvida, há motivos para comemorar quando nos atentamos à vasta obra que Freud produziu em vida, cuja origem remonta à última década do século 19 e cujo fim só de dá com sua morte em 1939. Essa obra, literária e teórica, permaneceu viva muito após o falecimento de seu criador, e segue deixando uma marca no mundo como faz desde seu surgimento. Freud foi muito relevante no início século 20, e continua relevante hoje, às vésperas da terceira década do século 21.

    A relevância da psicanálise atesta-se por sua história. Ela surgiu como resultado do trabalho de Freud como médico na cidade de Viena, onde morou por quase toda sua vida. Freud era neurologista por formação e se interessou no início da carreira pelas doenças chamadas “nervosas”, cujos sintomas eram bastante evidentes mas as causas e os processos de cura ainda eram bastante misteriosos. O exemplo mais clássico dessas doenças é a histeria, afecção em que a pessoa era acometida em seu corpo por sintomas diversos como paralisias, tremores, desmaios ou dores, por exemplo, sem que houvesse uma razão clara para o surgimento desses sintomas, como uma infecção, um traumatismo, uma falência de órgão ou algo do gênero. Outro exemplo eram as neuroses obsessivas, cujos afetados por ela tinham sintomas parecidos com o que hoje se convencionou chamar de Transtorno Obsessivo Compulsivo: a incidência de medos e pensamentos ruins cuja evitação se busca por meio de ações e comportamentos que muitas vezes trazem muito sofrimento, e cujas relações com esses pensamentos não estão sempre claras.

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  • A verdade que ninguém conta

    “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”

    O dito acima é do evangelho de João, presente na Bíblia, no capítulo 8. É uma frase que instiga, porque nos passa a ideia de que há uma verdade, algo preestabelecido, a respeito do qual devemos conhecer para sermos livres, seja lá o que isso signifique. Embora eu não seja religioso, tenho um respeito enorme pelas religiões e entendo que muita vezes essas frases contidas nos livros sagrados se referem a elementos da própria religião; nesse caso, imagino que a “verdade” se refira a Deus, como detentor de todo o conhecimento, e o que está sendo dito é que cada um deve buscar a verdade contida nele.

    Mas, façamos um esforço e tiremos essa frase de seu contexto religioso. A ideia de que há uma verdade única que liberta está difundida, hoje mais do que nunca, em muitas situações do cotidiano. Há sites, revistas, livros que ensinam de tudo, desde coisas simples como a realizar tarefas do dia-a-dia da (supostamente) melhor forma que existe, até coisas das mais complicadas, como qual é a melhor forma de superar o fim de um relacionamento, ou como é o jeito certo de lidar com a falta que faz um parente querido que faleceu. A facilitação da divulgação, da produção e do acesso a conteúdos midiáticos e informativos que as telecomunicações, especialmente a internet, provocou permite que se busque — e se encontre — uma resposta pra quase cada pergunta que possa ser perguntada. Supõe-se que exista uma verdade universal a respeito de cada aspecto do fenômeno humano, do mais trivial ao mais sofisticado, e que há sempre alguém que conhece essa verdade e está pronto para compartilhá-la, mesmo que não seja de graça. Se ela não está disponível online, ou num livro entre os best-sellers das livrarias, ela deve estar com um profissional especialista no fenômeno em questão.

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  • Psicanálise para quem?

    Se você já pensou em buscar um psicanalista ou um outro psicoterapeuta e desistiu por não saber se esses serviços poderiam te ajudar, esse texto é para você.

    Muita gente que não trabalha com saúde mental (e, mesmo, um ou outro que trabalha) costuma pensar que só devem procurar um psicanalista ou psicólogo clínico pessoas que sofram de algum transtorno mental, que estejam lidando com alguma doença, ou que estejam passando por algum problema muito grave ou muito óbvio — como um luto, um rompimento de relacionamento ou algum momento difícil na carreira, por exemplo.

    Isso não é verdade.

    Se engajar em uma análise e em outros tipos de psicoterapias pode trazer ganhos e benefícios à maioria das pessoas que pensam em ir atrás de um profissional dessa área, mesmo que não estejam nessas situações em que tipicamente se recomenda buscar ajuda. Nesse artigo, vou tentar explicar de forma simples, direta, mas sem abrir mão de informar corretamente, quem pode se beneficiar de um processo como esses.

    Esse artigo faz parte de uma série de pequenos textos em que tento explicar de forma acessível — mas sem abrir mão da qualidade das informações — , ideias, termos e conceitos comuns do mundo da psicologia, psicanálise e saúde mental, que podem deixar confusos os principais interessados no assunto: pessoas que não trabalham na área mas que buscam um profissional para si próprio ou para alguém próximo.

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  • Psicanálise

    Quem procura ajuda psicológica costuma se deparar com uma série de termos que, em geral, são pouco conhecidos para quem não trabalha na área, ou cujos significados são desconhecidos ou confusos. Para tentar esclarecer um pouco as coisas, inicio com esse pequeno texto uma série de artigos que trarão informações sobre esses assuntos de forma simples e direta, sem abrir mão de informar corretamente. Como meu trabalho é embasado pela teoria da psicanálise, é natural que os temas que serão abordados sejam tratados a partir desse ponto de vista. Por isso, nada melhor que começar por aí.

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