Tag: psicanálise

  • Travamento

    Travamento

    A trava voltou. De vez em quando isso acontece: eu emperro e não consigo escrever. Mas com uma ajudinha aqui e outra ali, estou de volta. Não é simples, estou percebendo, escrever com rotina, semanalmente. Aproveitei o carnaval como desculpa para pular uma semana (perdão pelo trocadilho, parece que hoje eles estão fluindo) e quando vi, já estava pulando a segunda. Mas aqui estou, evitando isso. 

    Voltar envolveu um trabalho de entender porque travei. Vocês também travam às vezes? Não necessariamente para escrever, mas para fazer o que precisa ser feito na vida, no dia-a-dia. Sempre que me vejo nessa situação, a saída passa por olhar para dentro e, nesse trabalho, acabo sabendo algo que ainda não sabia sobre mim. 

    O que acabei de dizer é uma meia-verdade. Não se trata exatamente de coisas que nós não saibamos. Mas há muito que sabemos e ignoramos. As razões para isso são variadas. Entrar em contato com algumas coisas pode ser doloroso, e pode parecer melhor ignorar, fingir não ver. Ledo engano: isso que deixamos para escanteio sempre dá um jeito de produzir seus efeitos, e um deles pode ser justamente o tal travamento.

    A psicanálise fascina por mostrar isso: o fato de que sabemos tão pouco sobre nós mesmas. E aquilo que sabemos, muitas vezes escolhemos ignorar. Mas não dá pra fugir do que ignoramos, e cedo ou tarde, trombamos com isso. Você pode até tentar se virar sozinha para lidar com esse susto, e muitas vezes dá certo. Mas quando não der, uma ajudinha pode vir a calhar. Me procure!

  • Travessia

    Travessia

    Como uma criança que está prestes a fazer uma travessura, olho em volta verificando se nada me impedirá. Parto, então, em direção ao desconhecido. O destino não está claro. Talvez não haja um destino. Mas não importa, a única certeza é a transgressão, e o que realmente importa é o caminho.

    Caminho, então, sem saber para onde. Atravesso escuridões, encontro luzes que cegam, enfrento solidões, me perco em multidões. Às vezes caio na besteira de achar que sei onde devo chegar, e tento me transportar para lá. Outras, me lembro do prazer que há no próprio caminhar, e, perdida, me deixo levar.

    Levo comigo tudo: o que me faz avançar e o que me trava. Clarice nos avisou—nunca sabemos o que nos sustenta. Mas a bagagem é pesada, me atrasa, me cansa. Em algum ponto da travessia é preciso abandonar o que não serve mais, o que caducou, o que rasgou, o que furou, o que queimou. O peso diminui, o ritmo aumenta, o avanço se faz sentir. Mas, será avanço ou retrocesso, se não sei para onde ir?

    Continuo perdida. Todavia, sigo no caminho. Caminho se faz ao caminhar. Me associo livremente a essa direção, àquela, àquela outra, como uma aranha tecendo uma teia. Direções que se cruzam. De vez em quando, penso em desistir. Transito entre o desejo de continuar e o medo de nunca mais me encontrar. O traslado às vezes parece sombrio, tenebroso. Às vezes, parece calmo como um jardim no outono. Mas é constantemente solitário.

    Há, é preciso reconhecer, sempre alguém por ali. É preciso que haja, não se faz isso sozinho. Não importa, quase nunca me sinto acompanhada. No fundo, há um nível de solidão que é insuperável. Transponho o momento de crise, deixo o choro para trás, e sigo meu caminho.

    Caminhando, tranço novos saberes, novos dizeres, novas identidades. Mas não me apego a elas. Assim como elas vêm, deixo que vão. Palavras ganham novos sentidos, velhos sentidos ganham novas palavras. Aos poucos, o que era conhecido vai se tornando estranho. E o que era estranho vai se transmutando em parte de mim. O tempo transpassa meu corpo mudado, e às vezes em um corte abrupto, às vezes de forma gentil, ele me lembra que nunca passa. Mas também nunca para.

    A próxima parada se aproxima. Ficarei por ali, finalmente? Ou seguirei, sempre em frente? Não sei. Avisei no início, o destino era incerto, talvez inexistente. Alguns dizem que há um final: eles que passem.

    Eu? Aposto na eternidade do caminhar.

  • Online

    Online

    A Internet surgiu na década de 80 do século 20, e popularizou-se de verdade a partir dos anos 2000. Houve um tempo em que dizíamos (nós, os velhos — se você lembra, você também é) que íamos “entrar na Internet”. Quem viveu, sabe do que eu tô falando. Passávamos nossos dias desconectadas, interagindo pessoalmente com as pessoas no trabalho, na escola, no treino esportivo, na fila do banco, em todo lugar por onde passássemos, e em ocasiões esporádicas, sentávamos em frente a um computador e estabelecíamos uma conexão. Em algum momento, com a modernização e barateamento das tecnologias, a conexão passou a estar sempre estabelecida, e o computador estava sempre online, mas ainda era um computador: grande, pesado e imóvel. Para estar online era preciso estar sentada na frente da tela, e ainda não havia uma maneira de acessar a internet que fosse portátil, rápida, barata e onipresente.

    Isso, obviamente, mudou. Celulares smartphones se tornaram, a partir de meados da década de 10 do século 21, muito populares. É incomum, exceto nas camadas mais desfavorecidas economicamente da sociedade, encontrar alguém que não carregue um desses no bolso, com um plano de internet contratado, que habilita a pessoa a estar online 24 horas por dia. Mesmo quem não tem o plano de internet por questões financeiras, costuma transitar por locais onde há wi-fi disponível, o que ameniza a desconexão. A tecnologia e infraestrutura por trás da Internet também avançaram, as conexões são mais rápidas e confiáveis, e o volume de dados transmitidos por segundo atualmente é incrivelmente maior que nos primórdios.

    Nos acostumamos a essas mudanças rapidamente, e elas alteraram completamente nossa maneira de viver. É raro ouvir alguém falar em fila de banco, hoje em dia; resolve-se tudo, de pagamentos a empréstimos e financiamentos, passando por investimentos, transferências e cobranças, pelos próprios apps dos bancos. Dificilmente alguém liga em um restaurante para pedir comida: usa-se o app de delivery, ou o próprio aplicativo/site do estabelecimento possibilita fazer o pedido por ali. Muita gente já tem o hábito de fazer compras de mercado online, e abdicou do costume de ir pessoalmente ao supermercado. As locadoras de fitas, DVDs e Blurays acabaram, e a audiência de canais de TV diminuiu muito — hoje só se assiste a filmes e séries pelos serviços de streaming, 100% dependentes de uma conexão rápida com a internet. Até pra conhecer gente nova, dar uns amassos ou namorar, as pessoas hoje dependem da internet.

    Já em 2020, começamos a viver a pandemia de covid-19. Fomos forçadas a reduzir nossa circulação nas ruas pela nossa saúde e pelo bem comum. As interações presenciais reduziram drasticamente. Se não fosse a Internet, não sei o que teria sido de nós. Pela rede mundial, muitas pessoas fizeram cursos, leram livros, assistiram a muitos conteúdos audiovisuais, flertaram e namoraram, aprenderam a cozinhar. Os serviços de videochamada (a dois ou em grupo) se popularizaram enormemente, possibilitando que reuniões de trabalho ou de amigos acontecessem. Quem ainda resistia às comodidades que o online pode oferecer acabou se rendendo e se adaptando à nova realidade. Atendimentos médicos e de outras especialidades de saúde, que antes avançavam timidamente por essa via do virtual, passaram a ser extremamente comuns. As terapias, psicoterapias e psicanálises, também.

    Quando comecei minha prática clínica, lá em 2017, atendimentos psicológicos online já existiam, mas eram poucos, nichados, e cercados por dúvidas e incertezas que vinham tanto dos usuários dos serviços quanto dos profissionais. Eu não recebia pacientes nessa modalidade, por opção própria. Também não fazia minha análise pessoal dessa maneira. Em geral, não se sabia muito bem como fazer isso, que plataforma usar, e havia dúvidas mesmo quanto à efetividade dessa modalidade de atendimentos. Os que realmente tinham algumas respostas para essas dúvidas eram poucos e atendiam demandas bastante específicas.

    Aí, veio a pandemia e forçou todo mundo, seja usuário de serviço, seja profissional, a passar para os atendimentos online. Pra mim, foi um choque. Eu nunca tinha me preocupado se tinha infraestrutura adequada para prestar esse tipo de serviço, nem tinha a experiência que ele poderia demandar. Imagino que meu analista também não tivesse. Mesmo assim, lá estava eu, atendendo meus pacientes por videochamada, e fazendo minha análise pelo celular com meu analista. Questionei, inicialmente, se eu poderia oferecer um bom serviço às pessoas que me procuravam nessa época, mas, mais do que isso, questionei se minha análise pessoal continuaria avançando nessa modalidade.

    É claro que o passar do tempo me surpreendeu. Fui descobrindo que, sim, a terapia online funciona. Apesar da insegurança, me esforcei para manter os atendimentos que eu prestava na época pela via do virtual, me adaptando às novidades e necessidades. E conforme os tratamentos avançavam ficava evidente que a efetividade dos atendimentos estava mantida. Mais surpreendente ainda foi minha própria análise. Senti que muitas questões se abriram pra mim nessa modalidade, questões que até então eu ainda não tinha tido condições de abordar e mexer. Foram anos de muito proveito para mim. Fui entendendo que o atendimento online não é igual, e não pretende ser igual, ao atendimento presencial. Vi muitas colegas tentarem adaptar técnicas e manejos do consultório ao virtual, tentando criar soluções para a ausência do divã, da sala de espera, do contato olho no olho, etc. Com frequência, essas adaptações nem faziam sentido. Foi preciso pensar nas particularidades dessa forma de prestar atendimento, e desenvolver novos manejos e condutas, melhores adaptadas à nova forma de fazer a clínica. Muita literatura foi produzida a respeito dessa modalidade de atendimento, que apesar de não ser nova, era novidade para a maioria.

    Conforme os riscos da pandemia foram cedendo e pudemos sair mais de casa, muitos atendimentos presenciais foram sendo retomados, mas o online não desapareceu. Pelo contrário, vi uma quantidade grande de colegas não voltarem mais aos atendimentos presenciais, passando a clinicar somente por videochamada. Muitas outras, assim como eu, mantiveram os atendimentos online — especialmente aqueles com pacientes que eram de outras cidades, ou que tinham algum tipo de dificuldade para estar presencialmente no consultório — enquanto também retomavam os atendimentos presenciais. Algumas pessoas que faziam sessões nessa época insistiam para o retorno ao presencial; enquanto outras pediam para continuar online, mesmo estando habilitadas para irem pessoalmente à sala de atendimento. Como sempre deve ser na clínica, essas condutas foram avaliadas no caso a caso.

    Estamos em 2025, a covid-19 se tornou uma doença que já não oferece tantos riscos — graças à vacinação, vale sempre lembrar. Voltamos a circular com nossos corpos nos espaços de trabalho, nas escolas e faculdades, nos mercados, restaurantes, shoppings, academias, cinemas, praças, parques, espaços de saúde e consultórios clínicos. Já se vão 4 anos completos em que a grande maioria dos profissionais psi, incluindo eu, passaram a oferecer atendimentos online. Apesar de todos os problemas que a pandemia trouxe, e foram muitos, me parece que a popularização dessa modalidade de atendimento à saúde mental foi uma mudança positiva. Hoje, pessoas que estão em qualquer lugar do Brasil, ou mesmo no exterior, podem procurar um terapeuta via internet, agendar um horário e começar a fazer sessões, mesmo que nunca encontre o profissional pessoalmente na vida. De alguma maneira, essa facilidade acaba por favorecer uma certa democratização do acesso ao atendimento à saúde mental.

    Por isso, não há por que hesitar. Se você está passando por momentos difíceis, se precisa de ajuda para enfrentar problemas, se tem vontade de saber e entender melhor seu caminhar por esse mundo, ou tem qualquer outra razão, procure um psicanalista ou psicólogo. Com um celular e uma conexão razoável, já é possível receber atendimento. E, claro, se você gosta do que eu escrevo ou da maneira como penso, ou quer saber mais sobre meu trabalho, clique no botão abaixo e fale comigo pelo Whatsapp.

  • Mudanças

    Mudanças

    Mudanças fazem parte da vida. Com frequência elas acontecem à nossa revelia, vêm como surpresas, nos pegam despreparadas, e impõem diferenças no nosso jeito de viver, nos nossos costumes, nas pessoas que estamos acostumadas a ver no dia-a-dia etc. São exemplos desse tipo de mudanças o falecimento de uma pessoa de nosso entorno; a demissão inesperada de um emprego; um acidente qualquer; ganhar um prêmio em um concurso ou loteria; a mudança para o apartamento do lado de um vizinho mais chato ou mais legal que o anterior; uma revelação inesperada qualquer de um familiar. Por aí vai. Há pessoas que lidam razoavelmente bem com esse tipo de mudança porque tendem a ser flexíveis e aproveitar de maneira satisfatória o inesperado da vida. Outras pessoas já têm mais dificuldades, e sofrem mais com a sensação de falta de controle e a impotência que essas situações podem provocar, independentemente de se tratar de uma mudança que parece boa ou ruim.

    Mas mudanças também acontecem com intenção, seja porque se imagina que algo pode melhorar, ou porque é preciso deixar algo para trás. Falo aqui de coisas mundanas, cotidianas. Parar de fumar; encerrar um relacionamento; mudar a cor de uma parede do quarto; largar um emprego; passar a tratar alguém de uma maneira diferente; mudar-se de casa; adotar um pet; cortar curto um cabelo que está longo há muito tempo; deixar o sedentarismo; adotar um novo visual de roupas; se cobrar menos; aprender a tocar um instrumento. Como no primeiro caso, promover mudanças propositalmente também pode ser um desafio para alguns, enquanto outros fazem isso com certa facilidade. Varia, novamente, de acordo com características pessoais de cada um, e também com o tipo de mudança que se propõe fazer.

    É certo, no entanto, que todas as pessoas podem se deparar, em algum momento, com coisas que elas gostariam de mudar mas não conseguem. Você sabe do que eu estou falando. Conforme a vida vai seguindo seu curso mais ou menos natural, se estamos atentas, vamos notando certas repetições nas nossas vidas que, às vezes, temos interesse em evitar. Vemos que a vida repete alguns ciclos, alguns “destinos” de maneira tão intensa, que é fácil apelar para a superstição ou para a espiritualidade para explicar essas repetições. Exemplos. Nos percebemos vivendo os mesmos problemas nas relações amorosas que estabelecemos, independente de com quem seja a parceria; ou notamos que as parcerias são sempre com pessoas com determinadas características, improváveis e mesmo pouco desejosas. Nos flagramos cometendo os mesmos erros de antes ao lidar com alguma dificuldade cotidiana. Verificamos que, frente a algumas coisas, paralisamos, mesmo que isso não seja desejável. E mesmo vendo tudo isso acontecer, promover uma mudança nesses casos parece impossível: quando vemos, lá estamos nós, novamente, fazendo as coisas da mesma maneira.

    Há, dentro do universo enorme da psicologia, muitas maneiras de abordar esse fenômeno. A psicanálise me parece muito interessante aqui. Eu entendo, como psicanalista, que nosso agir no mundo se relaciona com nossos quereres e implica em decisões racionais, lógicas, calculadas e planejadas, mas também tem traços elementares e radicais de algo em nós que desconhecemos. A isso, damos o nome de inconsciente. Ou seja, nosso agir no mundo, para além da racionalidade e do poder de cálculo e planejamento que possuímos, é influenciado (e, afirmo, com uma intensidade surpreendente) por processos que ocorrem em nosso psiquismo a respeito dos quais temos pouco ou nenhum conhecimento. 

    Ora, é de se esperar então que essas repetições, mesmo que sofridas e pouco proveitosas, têm relação com processos inconscientes. Há algo no inconsciente que se liga a esse “padrão” repetitivo e que nos impele à repetição. Promover uma mudança seria, nesse caso, uma perda. Mesmo um hábito ruim, um padrão de relacionamentos questionáveis ou a tendência a escolhas “erradas” repetidas vezes podem, no nível do inconsciente, representar algo de prazeroso ou, no mínimo, satisfatório. Seja a ideia (ilusória) de controle da situação, a sensação de familiaridade, o retorno a uma posição conhecida, a realização de uma fantasia identitária sobre si mesmo — as possibilidades são muitas e, em cada caso, é preciso muito trabalho para compreendê-las. Mas mudanças implicam na ideia de perda e nem sempre é fácil agir para perder algo que se supõe ter.

    Já indico, ao dizer que “se supõe ter”, que o caminho que se explora em uma análise para que se possa superar isso passa, entre muitas outras coisas, pelo questionamento disso a que o sujeito se prende de forma tão intensa, mesmo com muito sofrimento. Mudar é, então, saber-se capaz de perder o que nunca se teve. Parece simples. Mas só parece.

  • Quem é você?

    Quem é você?

    Quem é você?
    Você sabe responder a essa pergunta?

    Em geral, inicia-se com “Eu sou…”. Esse “eu”, que inicia a frase, acredita-se que ele seja estável, constante, e que cabe a nós “descobri-lo”. Algumas pessoas vêm pra terapia justamente para isso: “vim porque não sei quem eu sou”, “vim pra pode ser mais eu mesma”, “estou aqui pra encontrar meu eu verdadeiro”.

    Mas será que essa essência, esse “eu” radical e profundo, essa verdade misteriosa sobre nós mesmos existe?

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  • Sonhos

    Sonhos

    É preciso sonhar. No entanto, se vê hoje em dia uma quantidade enorme de pessoas que reclamam: não consigo dormir. Não tem sonho sem sono, né, e aí a gente já percebe que o mundo está cheio de gente que também não sonha. Gente que abandonou seus sonhos.

    É com você que estou falando? Espero que não. Sonhar é importante, e faz tempo que a gente sabe disso. Tanto que sonhar nem significa mais só aquela experiência durante o sono, em que imaginamos (alucinamos?) que estamos vivendo coisas, muitas vezes absurdas, para depois acordar e descobrir que era só sonho. Sonhar ganhou status de querer, ansiar, desejar muito alguma coisa. Já parou pra pensar no porquê disso?

    Eu tenho uma relação antiga com sonhos. Aliás, um fato sobre mim: me aproximei da psicologia e consequentemente da psicanálise por causa de um sonho (desses do sono, não do outro tipo). Olha aonde isso me trouxe. E tem gente que não dá valor para seus sonhos. “Só sonho um monte de coisa maluca” ou “só sonho um monte de coisa boba”. Queria ganhar um sonho para cada vez que escuto isso. Falo agora, claro, dos da padaria.

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  • Não-saber

    Não-saber

    Para os leigos, os civis, os ordinários, os comuns, aqueles que não foram iniciados nas belezas e nos mistérios do mundo psi, encontrar um psicanalista quase sempre acontece de forma desavisada. O sujeito vai atrás de um psicólogo, ou de um “terapeuta”, procura, escolhe, investiga, e acaba nas mãos de um psicanalista. Não é um grande problema; nem sempre o que a gente tá procurando é o que a gente precisa. Mas, desavisada que está, a pessoa que de repente se vê de frente a um psicanalista sem ter se preparado para isso, muitas vezes leva um susto.

    A treta é a seguinte: o mundo hoje funciona de um jeito que é muito diferente de uma análise. No mundo de hoje, tem jeito certo pra quase tudo. Tem sempre um especialista na TV ou nos reels dizendo “coma isso, não coma aquilo”, “faça esse exercício”, “leia aquele livro”, “transe desse jeito”, “se relacione assim ou assado”. E tem sempre alguém pra dizer pra pessoa que ela tá errada, mesmo quando ela faz tudo como mandam os especialistas.

    O analista não é um especialista (aliás, aviso: encontrou um analista que se diz especialista, desconfie). Um psicólogo pode ser, um analista não. O lugar do analista é o lugar do não-saber: é o lugar da interrogação. Não espere de um psicanalista que ele te oriente como fazer alguma coisa, ou te dê instruções, dicas, conselhos, a respeito de seus problemas. Não vai rolar, porque não pode rolar. Já tá cheio de gente disposta a fazer isso por aí. O analista quer de você outra coisa — ele quer que você se questione sobre o que fica fora do discurso pronto, arrumadinho. Sabe aquela coisa de chegar na frente do analista e começar a contar toda aquela história ensaiadinha? O analista, o bom analista, tem o dever de quebrar essa historinha, e apontar pra onde está o furo dela.

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  • O aniversário de Sigmund Freud

    Sigmund Freud é o nome do descobridor do inconsciente e fundador da psicanálise. Ele nasceu em 06 de maio de 1856, na Morávia, região da Europa que na época pertencia ao Império Austríaco, e que atualmente faz parte da República Tcheca. Hoje, 06 de maio de 2019, comemoramos portanto 163 anos de seu nascimento. Mas, por que comemorar? Ora, comemora-se aquilo que trouxe algo de positivo para o mundo ou para a vida das pessoas. E sim, sem dúvida, há motivos para comemorar quando nos atentamos à vasta obra que Freud produziu em vida, cuja origem remonta à última década do século 19 e cujo fim só de dá com sua morte em 1939. Essa obra, literária e teórica, permaneceu viva muito após o falecimento de seu criador, e segue deixando uma marca no mundo como faz desde seu surgimento. Freud foi muito relevante no início século 20, e continua relevante hoje, às vésperas da terceira década do século 21.

    A relevância da psicanálise atesta-se por sua história. Ela surgiu como resultado do trabalho de Freud como médico na cidade de Viena, onde morou por quase toda sua vida. Freud era neurologista por formação e se interessou no início da carreira pelas doenças chamadas “nervosas”, cujos sintomas eram bastante evidentes mas as causas e os processos de cura ainda eram bastante misteriosos. O exemplo mais clássico dessas doenças é a histeria, afecção em que a pessoa era acometida em seu corpo por sintomas diversos como paralisias, tremores, desmaios ou dores, por exemplo, sem que houvesse uma razão clara para o surgimento desses sintomas, como uma infecção, um traumatismo, uma falência de órgão ou algo do gênero. Outro exemplo eram as neuroses obsessivas, cujos afetados por ela tinham sintomas parecidos com o que hoje se convencionou chamar de Transtorno Obsessivo Compulsivo: a incidência de medos e pensamentos ruins cuja evitação se busca por meio de ações e comportamentos que muitas vezes trazem muito sofrimento, e cujas relações com esses pensamentos não estão sempre claras.

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  • A verdade que ninguém conta

    “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”

    O dito acima é do evangelho de João, presente na Bíblia, no capítulo 8. É uma frase que instiga, porque nos passa a ideia de que há uma verdade, algo preestabelecido, a respeito do qual devemos conhecer para sermos livres, seja lá o que isso signifique. Embora eu não seja religioso, tenho um respeito enorme pelas religiões e entendo que muita vezes essas frases contidas nos livros sagrados se referem a elementos da própria religião; nesse caso, imagino que a “verdade” se refira a Deus, como detentor de todo o conhecimento, e o que está sendo dito é que cada um deve buscar a verdade contida nele.

    Mas, façamos um esforço e tiremos essa frase de seu contexto religioso. A ideia de que há uma verdade única que liberta está difundida, hoje mais do que nunca, em muitas situações do cotidiano. Há sites, revistas, livros que ensinam de tudo, desde coisas simples como a realizar tarefas do dia-a-dia da (supostamente) melhor forma que existe, até coisas das mais complicadas, como qual é a melhor forma de superar o fim de um relacionamento, ou como é o jeito certo de lidar com a falta que faz um parente querido que faleceu. A facilitação da divulgação, da produção e do acesso a conteúdos midiáticos e informativos que as telecomunicações, especialmente a internet, provocou permite que se busque — e se encontre — uma resposta pra quase cada pergunta que possa ser perguntada. Supõe-se que exista uma verdade universal a respeito de cada aspecto do fenômeno humano, do mais trivial ao mais sofisticado, e que há sempre alguém que conhece essa verdade e está pronto para compartilhá-la, mesmo que não seja de graça. Se ela não está disponível online, ou num livro entre os best-sellers das livrarias, ela deve estar com um profissional especialista no fenômeno em questão.

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  • Psicanálise para quem?

    Se você já pensou em buscar um psicanalista ou um outro psicoterapeuta e desistiu por não saber se esses serviços poderiam te ajudar, esse texto é para você.

    Muita gente que não trabalha com saúde mental (e, mesmo, um ou outro que trabalha) costuma pensar que só devem procurar um psicanalista ou psicólogo clínico pessoas que sofram de algum transtorno mental, que estejam lidando com alguma doença, ou que estejam passando por algum problema muito grave ou muito óbvio — como um luto, um rompimento de relacionamento ou algum momento difícil na carreira, por exemplo.

    Isso não é verdade.

    Se engajar em uma análise e em outros tipos de psicoterapias pode trazer ganhos e benefícios à maioria das pessoas que pensam em ir atrás de um profissional dessa área, mesmo que não estejam nessas situações em que tipicamente se recomenda buscar ajuda. Nesse artigo, vou tentar explicar de forma simples, direta, mas sem abrir mão de informar corretamente, quem pode se beneficiar de um processo como esses.

    Esse artigo faz parte de uma série de pequenos textos em que tento explicar de forma acessível — mas sem abrir mão da qualidade das informações — , ideias, termos e conceitos comuns do mundo da psicologia, psicanálise e saúde mental, que podem deixar confusos os principais interessados no assunto: pessoas que não trabalham na área mas que buscam um profissional para si próprio ou para alguém próximo.

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