Tag: sofrimento singular

  • Invisível

    Invisível

    Você se sente invisível.

    Sensação mortificante de que ninguém lhe vê, de que ninguém sabe de você, de que ninguém conhece sua verdade. Você se percebe andando pela rua, se percebe trabalhando, se percebe conversando com pessoas, familiares, amigos, e os olhares lhe atravessam, como se ali onde você deveria estar não houvesse nada.

    No entanto, as pessoas estão ali, o trabalho existe, os caminhos são percorridos. De onde essa sensação vem? A que ela responde? Você se percebe evitando pensamentos, sentimentos, desejos. Você vê sua vida diminuindo, perdendo a graça. Os amigos estão distantes, o trabalho está desinteressante, o brilho nos olhos não existe mais.

    No espelho, aquela imagem parece borrada, errada. Você se dá conta que nem você se enxerga mais. Você desapareceu, e tudo que sobrou foi uma sombra. Se havia uma verdade para ser conhecida ali, se havia algo para ser sabido daquela pessoa, se havia alguém para ser visto, sumiu. Você se tornou invisível para si mesma.

    O baque. O fundo do poço.

    A reação.

    Você decide mudar, se reencontrar consigo mesma. Voltar a se enxergar. Não é simples. É necessária muita ajuda, muito companheirismo, muita terapia. É preciso encontrar um lugar em que você se sinta segura. É preciso deixar para trás certos hábitos, encarar alguns incômodos. Lugar comum é falar sobre “zona de conforto”, mas se se aplica, por que não?

    O risco é grande, e a vontade de desistir sempre ronda. Mas um dia, acompanhada de velhos amores e novas amizades, você se percebe num lugar antigo de uma maneira nova. Olham pra você e isso lhe provoca angústia: você foi vista. Da morte simbólica da invisibilidade à angústia de ser vista, fica evidente que algo novo se anuncia.

  • A verdade que ninguém conta

    “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”

    O dito acima é do evangelho de João, presente na Bíblia, no capítulo 8. É uma frase que instiga, porque nos passa a ideia de que há uma verdade, algo preestabelecido, a respeito do qual devemos conhecer para sermos livres, seja lá o que isso signifique. Embora eu não seja religioso, tenho um respeito enorme pelas religiões e entendo que muita vezes essas frases contidas nos livros sagrados se referem a elementos da própria religião; nesse caso, imagino que a “verdade” se refira a Deus, como detentor de todo o conhecimento, e o que está sendo dito é que cada um deve buscar a verdade contida nele.

    Mas, façamos um esforço e tiremos essa frase de seu contexto religioso. A ideia de que há uma verdade única que liberta está difundida, hoje mais do que nunca, em muitas situações do cotidiano. Há sites, revistas, livros que ensinam de tudo, desde coisas simples como a realizar tarefas do dia-a-dia da (supostamente) melhor forma que existe, até coisas das mais complicadas, como qual é a melhor forma de superar o fim de um relacionamento, ou como é o jeito certo de lidar com a falta que faz um parente querido que faleceu. A facilitação da divulgação, da produção e do acesso a conteúdos midiáticos e informativos que as telecomunicações, especialmente a internet, provocou permite que se busque — e se encontre — uma resposta pra quase cada pergunta que possa ser perguntada. Supõe-se que exista uma verdade universal a respeito de cada aspecto do fenômeno humano, do mais trivial ao mais sofisticado, e que há sempre alguém que conhece essa verdade e está pronto para compartilhá-la, mesmo que não seja de graça. Se ela não está disponível online, ou num livro entre os best-sellers das livrarias, ela deve estar com um profissional especialista no fenômeno em questão.

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