Escritos e publicações

  • Quem é você?
  • Inteligência emocional
  • Quereres
  • Sonhos
  • Dopamina
  • Fake
  • Não-saber
  • Fala!
  • Online

    A Internet surgiu na década de 80 do século 20, e popularizou-se de verdade a partir dos anos 2000. Houve um tempo em que dizíamos (nós, os velhos — se você lembra, você também é) que íamos “entrar na Internet”. Quem viveu, sabe do que eu tô falando. Passávamos nossos dias desconectadas, interagindo pessoalmente com as pessoas no trabalho, na escola, no treino esportivo, na fila do banco, em todo lugar por onde passássemos, e em ocasiões esporádicas, sentávamos em frente a um computador e estabelecíamos uma conexão. Em algum momento, com a modernização e barateamento das tecnologias, a conexão passou a estar sempre estabelecida, e o computador estava sempre online, mas ainda era um computador: grande, pesado e imóvel. Para estar online era preciso estar sentada na frente da tela, e ainda não havia uma maneira de acessar a internet que fosse portátil, rápida, barata e onipresente.

    Isso, obviamente, mudou. Celulares smartphones se tornaram, a partir de meados da década de 10 do século 21, muito populares. É incomum, exceto nas camadas mais desfavorecidas economicamente da sociedade, encontrar alguém que não carregue um desses no bolso, com um plano de internet contratado, que habilita a pessoa a estar online 24 horas por dia. Mesmo quem não tem o plano de internet por questões financeiras, costuma transitar por locais onde há wi-fi disponível, o que ameniza a desconexão. A tecnologia e infraestrutura por trás da Internet também avançaram, as conexões são mais rápidas e confiáveis, e o volume de dados transmitidos por segundo atualmente é incrivelmente maior que nos primórdios.

    Nos acostumamos a essas mudanças rapidamente, e elas alteraram completamente nossa maneira de viver. É raro ouvir alguém falar em fila de banco, hoje em dia; resolve-se tudo, de pagamentos a empréstimos e financiamentos, passando por investimentos, transferências e cobranças, pelos próprios apps dos bancos. Dificilmente alguém liga em um restaurante para pedir comida: usa-se o app de delivery, ou o próprio aplicativo/site do estabelecimento possibilita fazer o pedido por ali. Muita gente já tem o hábito de fazer compras de mercado online, e abdicou do costume de ir pessoalmente ao supermercado. As locadoras de fitas, DVDs e Blurays acabaram, e a audiência de canais de TV diminuiu muito — hoje só se assiste a filmes e séries pelos serviços de streaming, 100% dependentes de uma conexão rápida com a internet. Até pra conhecer gente nova, dar uns amassos ou namorar, as pessoas hoje dependem da internet.

    Já em 2020, começamos a viver a pandemia de covid-19. Fomos forçadas a reduzir nossa circulação nas ruas pela nossa saúde e pelo bem comum. As interações presenciais reduziram drasticamente. Se não fosse a Internet, não sei o que teria sido de nós. Pela rede mundial, muitas pessoas fizeram cursos, leram livros, assistiram a muitos conteúdos audiovisuais, flertaram e namoraram, aprenderam a cozinhar. Os serviços de videochamada (a dois ou em grupo) se popularizaram enormemente, possibilitando que reuniões de trabalho ou de amigos acontecessem. Quem ainda resistia às comodidades que o online pode oferecer acabou se rendendo e se adaptando à nova realidade. Atendimentos médicos e de outras especialidades de saúde, que antes avançavam timidamente por essa via do virtual, passaram a ser extremamente comuns. As terapias, psicoterapias e psicanálises, também.

    Quando comecei minha prática clínica, lá em 2017, atendimentos psicológicos online já existiam, mas eram poucos, nichados, e cercados por dúvidas e incertezas que vinham tanto dos usuários dos serviços quanto dos profissionais. Eu não recebia pacientes nessa modalidade, por opção própria. Também não fazia minha análise pessoal dessa maneira. Em geral, não se sabia muito bem como fazer isso, que plataforma usar, e havia dúvidas mesmo quanto à efetividade dessa modalidade de atendimentos. Os que realmente tinham algumas respostas para essas dúvidas eram poucos e atendiam demandas bastante específicas.

    Aí, veio a pandemia e forçou todo mundo, seja usuário de serviço, seja profissional, a passar para os atendimentos online. Pra mim, foi um choque. Eu nunca tinha me preocupado se tinha infraestrutura adequada para prestar esse tipo de serviço, nem tinha a experiência que ele poderia demandar. Imagino que meu analista também não tivesse. Mesmo assim, lá estava eu, atendendo meus pacientes por videochamada, e fazendo minha análise pelo celular com meu analista. Questionei, inicialmente, se eu poderia oferecer um bom serviço às pessoas que me procuravam nessa época, mas, mais do que isso, questionei se minha análise pessoal continuaria avançando nessa modalidade.

    É claro que o passar do tempo me surpreendeu. Fui descobrindo que, sim, a terapia online funciona. Apesar da insegurança, me esforcei para manter os atendimentos que eu prestava na época pela via do virtual, me adaptando às novidades e necessidades. E conforme os tratamentos avançavam ficava evidente que a efetividade dos atendimentos estava mantida. Mais surpreendente ainda foi minha própria análise. Senti que muitas questões se abriram pra mim nessa modalidade, questões que até então eu ainda não tinha tido condições de abordar e mexer. Foram anos de muito proveito para mim. Fui entendendo que o atendimento online não é igual, e não pretende ser igual, ao atendimento presencial. Vi muitas colegas tentarem adaptar técnicas e manejos do consultório ao virtual, tentando criar soluções para a ausência do divã, da sala de espera, do contato olho no olho, etc. Com frequência, essas adaptações nem faziam sentido. Foi preciso pensar nas particularidades dessa forma de prestar atendimento, e desenvolver novos manejos e condutas, melhores adaptadas à nova forma de fazer a clínica. Muita literatura foi produzida a respeito dessa modalidade de atendimento, que apesar de não ser nova, era novidade para a maioria.

    Conforme os riscos da pandemia foram cedendo e pudemos sair mais de casa, muitos atendimentos presenciais foram sendo retomados, mas o online não desapareceu. Pelo contrário, vi uma quantidade grande de colegas não voltarem mais aos atendimentos presenciais, passando a clinicar somente por videochamada. Muitas outras, assim como eu, mantiveram os atendimentos online — especialmente aqueles com pacientes que eram de outras cidades, ou que tinham algum tipo de dificuldade para estar presencialmente no consultório — enquanto também retomavam os atendimentos presenciais. Algumas pessoas que faziam sessões nessa época insistiam para o retorno ao presencial; enquanto outras pediam para continuar online, mesmo estando habilitadas para irem pessoalmente à sala de atendimento. Como sempre deve ser na clínica, essas condutas foram avaliadas no caso a caso.

    Estamos em 2025, a covid-19 se tornou uma doença que já não oferece tantos riscos — graças à vacinação, vale sempre lembrar. Voltamos a circular com nossos corpos nos espaços de trabalho, nas escolas e faculdades, nos mercados, restaurantes, shoppings, academias, cinemas, praças, parques, espaços de saúde e consultórios clínicos. Já se vão 4 anos completos em que a grande maioria dos profissionais psi, incluindo eu, passaram a oferecer atendimentos online. Apesar de todos os problemas que a pandemia trouxe, e foram muitos, me parece que a popularização dessa modalidade de atendimento à saúde mental foi uma mudança positiva. Hoje, pessoas que estão em qualquer lugar do Brasil, ou mesmo no exterior, podem procurar um terapeuta via internet, agendar um horário e começar a fazer sessões, mesmo que nunca encontre o profissional pessoalmente na vida. De alguma maneira, essa facilidade acaba por favorecer uma certa democratização do acesso ao atendimento à saúde mental.

    Por isso, não há por que hesitar. Se você está passando por momentos difíceis, se precisa de ajuda para enfrentar problemas, se tem vontade de saber e entender melhor seu caminhar por esse mundo, ou tem qualquer outra razão, procure um psicanalista ou psicólogo. Com um celular e uma conexão razoável, já é possível receber atendimento. E, claro, se você gosta do que eu escrevo ou da maneira como penso, ou quer saber mais sobre meu trabalho, clique no botão abaixo e fale comigo pelo Whatsapp.

  • Visibilidade 🏳️‍⚧️

    Dia 29 de janeiro é comemorado no Brasil o Dia Nacional da Visibilidade Trans. A data foi instituída em 2004, há mais de 20 anos, e mesmo assim, ainda há muita desinformação sobre as transgeneridades, e muita gente que se exime da responsabilidade de entender sobre o assunto e saber que pessoas trans existem e devem ser respeitadas e incluídas no meio social de forma digna. O Brasil ainda é o país que mais mata pessoas trans no mundo (em 2024 foi o 16° ano consecutivo que nosso país “ganhou” essa disputa miserável), e pela maioria dos lugares por onde as pessoas circulam no seus cotidianos, continua sendo raro encontrar uma pessoa trans que se sinta segura o suficiente para se expor enquanto tal (quantas pessoas assumidamente trans circulam pelo seu trabalho? Pela sua academia? Pela padaria que você compra pão? Na loja onde você compra suas roupas?). Falta informação, falta empatia, falta política pública, falta vontade. Falta que as pessoas falem sobre o assunto de forma séria e despida de preconceitos.

    No entanto, apesar de todas as dificuldades e complicações, hoje há mais pessoas que assumem sua transgeneridade do que antes, e isso vem sendo notado e tem gerado uma série de reações nas pessoas, nas empresas, nos políticos. Direitos conquistados a duras penas vêm sendo derrubados por todo o mundo. A perseguição tem aumentado. Por isso, é hora de todos, todas e todes que se entendem como pessoas tolerantes, progressistas, que se identificam com pautas das esquerdas políticas, que se consideram simpatizantes ou apoiadores dos movimentos LGBTQIAPN+, se posicionarem mais ativa e explicitamente com relação ao seu entendimento e conhecimento das experiências e vidas trans, para que seu apoio seja efetivo e possa ajudar a proteger esses direitos, fazendo do mundo um lugar menos inóspito para todas as pessoas.

    (mais…)
  • Mudanças

    Mudanças fazem parte da vida. Com frequência elas acontecem à nossa revelia, vêm como surpresas, nos pegam despreparadas, e impõem diferenças no nosso jeito de viver, nos nossos costumes, nas pessoas que estamos acostumadas a ver no dia-a-dia etc. São exemplos desse tipo de mudanças o falecimento de uma pessoa de nosso entorno; a demissão inesperada de um emprego; um acidente qualquer; ganhar um prêmio em um concurso ou loteria; a mudança para o apartamento do lado de um vizinho mais chato ou mais legal que o anterior; uma revelação inesperada qualquer de um familiar. Por aí vai. Há pessoas que lidam razoavelmente bem com esse tipo de mudança porque tendem a ser flexíveis e aproveitar de maneira satisfatória o inesperado da vida. Outras pessoas já têm mais dificuldades, e sofrem mais com a sensação de falta de controle e a impotência que essas situações podem provocar, independentemente de se tratar de uma mudança que parece boa ou ruim.

    Mas mudanças também acontecem com intenção, seja porque se imagina que algo pode melhorar, ou porque é preciso deixar algo para trás. Falo aqui de coisas mundanas, cotidianas. Parar de fumar; encerrar um relacionamento; mudar a cor de uma parede do quarto; largar um emprego; passar a tratar alguém de uma maneira diferente; mudar-se de casa; adotar um pet; cortar curto um cabelo que está longo há muito tempo; deixar o sedentarismo; adotar um novo visual de roupas; se cobrar menos; aprender a tocar um instrumento. Como no primeiro caso, promover mudanças propositalmente também pode ser um desafio para alguns, enquanto outros fazem isso com certa facilidade. Varia, novamente, de acordo com características pessoais de cada um, e também com o tipo de mudança que se propõe fazer.

    É certo, no entanto, que todas as pessoas podem se deparar, em algum momento, com coisas que elas gostariam de mudar mas não conseguem. Você sabe do que eu estou falando. Conforme a vida vai seguindo seu curso mais ou menos natural, se estamos atentas, vamos notando certas repetições nas nossas vidas que, às vezes, temos interesse em evitar. Vemos que a vida repete alguns ciclos, alguns “destinos” de maneira tão intensa, que é fácil apelar para a superstição ou para a espiritualidade para explicar essas repetições. Exemplos. Nos percebemos vivendo os mesmos problemas nas relações amorosas que estabelecemos, independente de com quem seja a parceria; ou notamos que as parcerias são sempre com pessoas com determinadas características, improváveis e mesmo pouco desejosas. Nos flagramos cometendo os mesmos erros de antes ao lidar com alguma dificuldade cotidiana. Verificamos que, frente a algumas coisas, paralisamos, mesmo que isso não seja desejável. E mesmo vendo tudo isso acontecer, promover uma mudança nesses casos parece impossível: quando vemos, lá estamos nós, novamente, fazendo as coisas da mesma maneira.

    Há, dentro do universo enorme da psicologia, muitas maneiras de abordar esse fenômeno. A psicanálise me parece muito interessante aqui. Eu entendo, como psicanalista, que nosso agir no mundo se relaciona com nossos quereres e implica em decisões racionais, lógicas, calculadas e planejadas, mas também tem traços elementares e radicais de algo em nós que desconhecemos. A isso, damos o nome de inconsciente. Ou seja, nosso agir no mundo, para além da racionalidade e do poder de cálculo e planejamento que possuímos, é influenciado (e, afirmo, com uma intensidade surpreendente) por processos que ocorrem em nosso psiquismo a respeito dos quais temos pouco ou nenhum conhecimento. 

    Ora, é de se esperar então que essas repetições, mesmo que sofridas e pouco proveitosas, têm relação com processos inconscientes. Há algo no inconsciente que se liga a esse “padrão” repetitivo e que nos impele à repetição. Promover uma mudança seria, nesse caso, uma perda. Mesmo um hábito ruim, um padrão de relacionamentos questionáveis ou a tendência a escolhas “erradas” repetidas vezes podem, no nível do inconsciente, representar algo de prazeroso ou, no mínimo, satisfatório. Seja a ideia (ilusória) de controle da situação, a sensação de familiaridade, o retorno a uma posição conhecida, a realização de uma fantasia identitária sobre si mesmo — as possibilidades são muitas e, em cada caso, é preciso muito trabalho para compreendê-las. Mas mudanças implicam na ideia de perda e nem sempre é fácil agir para perder algo que se supõe ter.

    Já indico, ao dizer que “se supõe ter”, que o caminho que se explora em uma análise para que se possa superar isso passa, entre muitas outras coisas, pelo questionamento disso a que o sujeito se prende de forma tão intensa, mesmo com muito sofrimento. Mudar é, então, saber-se capaz de perder o que nunca se teve. Parece simples. Mas só parece.

  • Quem é você?

    Quem é você?
    Você sabe responder a essa pergunta?

    Em geral, inicia-se com “Eu sou…”. Esse “eu”, que inicia a frase, acredita-se que ele seja estável, constante, e que cabe a nós “descobri-lo”. Algumas pessoas vêm pra terapia justamente para isso: “vim porque não sei quem eu sou”, “vim pra pode ser mais eu mesma”, “estou aqui pra encontrar meu eu verdadeiro”.

    Mas será que essa essência, esse “eu” radical e profundo, essa verdade misteriosa sobre nós mesmos existe?

    (mais…)
  • Inteligência emocional

    Eu fico embasbacado com algumas expressões e jargões que tomam a boca do povo por aí. Fiquei pensando nisso esses dias. “Inteligência emocional” é uma dessas expressões.

    Inteligência emocional.

    É preciso parar e pensar um pouco nisso. Que raios vem a ser inteligência emocional? Eu tenho que admitir que 5 anos de formação em psicologia na USP não me habilitaram a responder a essa pergunta. Fui então perguntar ao pai dos burros: o ChatGPT (dicionário não ia me ajudar nessa).

    (mais…)
  • Quereres

    Recentemente, quis dedicar todo meu trabalho à minha clínica particular e à minha relação com a psicanálise. Achei, também, que era o momento ideal para perseguir outro querer: escrever mais.

    Faz tempo que tenho gosto pela escrita, admiro quem escreve bem. Exercitei, em tempos longínquos, o hábito de escrever pequenos contos que eu publicava em um blog, mas que se perderam com o tempo. Isso se deu há mais de 10 anos, e depois me acompanhava o pesar por ter abandonado esse hábito. Posteriormente, algumas vezes bastante raras, acabei escrevendo algo, mas poucas dessas já raras vezes eu tornei algum desses textos públicos. Alguns estão disponíveis em outros lugares da internet. Fica aqui o convite a usar o Google. Sempre que publiquei um texto, assinei.

    Mas é nesse contexto que decidi fazer esse instagram: tinha muito texto querendo ser escrito, e já fazia muito tempo. Apesar do insta ser uma péssima plataforma para escrita, é aqui que as pessoas estão (já fiz essa reflexão em algum texto anterior). E é para as pessoas lerem que eu quero escrever. Um querer já bastante antigo.

    (mais…)